A África do Sul acolhe este fim de semana um G20 histórico, o primeiro organizado no continente africano. No entanto, esta estreia ocorre num ambiente marcado por tensões sem precedentes, após a ausência deliberada do presidente norte-americano Donald Trump, que decidiu boicotar o encontro e acusar a presidência sul-africana de ser “antiamericana”. Apesar disso, Pretória mantém as suas prioridades: alívio da dívida, combate às desigualdades globais e defesa de um multilateralismo cada vez mais pressionado.
Um G20 sob elevada pressão diplomática
O regresso de Donald Trump à Casa Branca colidiu rapidamente com a primeira presidência africana do G20. Abertamente hostil ao multilateralismo, o presidente norte-americano relançou, logo em janeiro, o processo de saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e impôs uma nova vaga de tarifas aduaneiras. A África do Sul foi uma das mais penalizadas, atingida por uma taxa de 30%, a mais elevada da África Subsaariana.
Paralelamente, Donald Trump tem multiplicado ataques contra Pretória, acusando o governo de Cyril Ramaphosa de ignorar um alegado “genocídio” contra a minoria afrikaner, acusações consideradas infundadas pela comunidade internacional. Após meses de tentativas de diálogo, Pretória concluiu que não havia espaço para avanços. “Paciência tem limites”, reagiu Ramaphosa, decidido a avançar com o seu programa com ou sem o apoio da maior potência mundial.
A Argentina, aliada de Trump, adotou a mesma postura: o presidente Javier Milei decidiu não comparecer ao encontro, sendo o país representado apenas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.
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Anuncie aqui: clique já!Dívida, desigualdades e clima: as prioridades de Pretória
Com o lema “Solidariedade, Igualdade, Sustentabilidade”, a presidência sul-africana foca-se nos grandes desafios globais: financiamento do desenvolvimento, adaptação climática e redução das desigualdades.
A dívida pública surge como a prioridade absoluta. Entre 2021 e 2023, o continente africano gastou em média 70 dólares por habitante apenas em juros da dívida — um valor superior ao investido em educação (63 dólares) e saúde (44 dólares), segundo dados da ONU. Pretória espera compromissos concretos para aliviar este peso que limita investimentos públicos essenciais.
Outro dossiê central é a criação de um Painel Internacional sobre Desigualdades, inspirado no modelo do IPCC para o clima. A proposta, apoiada pelo economista e Nobel Joseph Stiglitz, considera que as desigualdades constituem uma crise global com urgência comparável ao aquecimento climático. O tema é particularmente relevante para os países do Sul, onde 2,3 mil milhões de pessoas continuam em situação de insegurança alimentar.
“Se for adotado, será uma vitória histórica para Pretória e para milhões de pessoas do Sul global, frequentemente marginalizadas nestes fóruns”, afirma Tendai Mbanje, investigador da Universidade de Pretória. No entanto, alcançar um consenso permanece difícil. Várias fontes internacionais apontam a delegação argentina como um dos principais entraves nas reuniões preparatórias.
O “Sul global” assume o protagonismo
Com a ausência de Washington, espera-se que a China ocupe maior espaço político. O primeiro-ministro Li Qiang desloca-se a Joanesburgo para defender um multilateralismo que considera “irreversível” e contestar um regresso à “lei da selva” nas relações comerciais. A Rússia será representada por Maxim Oreshkin, conselheiro económico de Vladimir Putin.
O encontro acontece poucos dias após o encerramento da COP30 em Belém, cujas negociações finais podem influenciar o G20. O evento encerra também um ciclo inédito de quatro presidências consecutivas do Sul global: Indonésia (2022), Índia (2023), Brasil (2024) e África do Sul (2025). Em 2026, a presidência regressa… aos Estados Unidos.
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Comprar um espaço para minha empresa.Joanesburgo, uma vitrine sul-africana
O G20 decorre no centro de exposições de Nasrec, junto a Soweto, símbolo forte da integração pós-apartheid. Joanesburgo, nascida da corrida ao ouro no século XIX, é hoje a capital económica da África do Sul e a cidade com o maior número de milionários do continente, cerca de 12 mil, segundo a consultora Henley & Partners.
O desafio para Pretória é duplo: garantir o sucesso do primeiro G20 em África apesar das ausências americana e argentina, e afirmar o papel do continente na governação económica global. Ramaphosa resume o objetivo: “Com os que estão presentes, queremos um consenso e uma declaração final comum”. Uma ambição relevante num momento em que o G20 parece estar, mais do que nunca, numa encruzilhada histórica.





