A 17 de Novembro de 2025, o Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR) apresentou em França uma queixa-crime contra a TotalEnergies, acusando a empresa de cumplicidade em crimes de guerra, tortura e desaparecimentos forçados. A denúncia sustenta que a empresa terá financiado e apoiado materialmente a Joint Task Force, unidade composta por forças armadas moçambicanas que, entre Julho e Setembro de 2021, terão detido, torturado e morto dezenas de civis no perímetro do projeto de gás da TotalEnergies em Afungi. A queixa foi apresentada ao Parquet National Antiterroriste (PNAT), responsável também por investigar crimes internacionais.
A iniciativa surge no momento em que a TotalEnergies anuncia o fim da força maior declarada em Abril de 2021 no projeto Mozambique LNG, apesar da persistência do conflito, da intensificação de ataques mortais e de uma grave crise humanitária. O reinício final do projeto depende ainda do aval do governo moçambicano ao orçamento revisto da empresa e da aceitação de cobrir mais 4,5 mil milhões de dólares de custos adicionais.
O “massacre dos contentores” no centro das acusações
A queixa centra-se no chamado “massacre dos contentores”, ocorrido nas instalações da empresa e revelado inicialmente pelo jornal Politico em Setembro de 2024, seguido por SourceMaterial e Le Monde.
Após os ataques insurgentes contra a vila de Palma, em Março e Abril de 2021, atribuídos ao grupo Al-Shabab, o exército moçambicano – incluindo membros da Joint Task Force apoiada pela TotalEnergies – terá detido arbitrariamente dezenas de civis em contentores metálicos colocados na entrada das instalações entre Julho e Setembro de 2021. Os civis, que fugiam das suas aldeias devido aos ataques insurgentes, foram intercetados pelas forças militares. Testemunhos apontam para tortura, desaparecimentos forçados e execuções. Em Setembro de 2021, os últimos 26 detidos foram libertados.
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Anuncie aqui: clique já!A Joint Task Force fora criada ao abrigo de um memorando de 2020 entre a subsidiária da TotalEnergies em Moçambique e o governo moçambicano, destinada a proteger as operações do projeto Mozambique LNG.
Documentos internos mostram que TotalEnergies conhecia violações de direitos humanos
“A TotalEnergies sabia que as forças armadas moçambicanas estavam acusadas de violações sistemáticas dos direitos humanos e, mesmo assim, continuou a apoiá-las para proteger as suas instalações”, afirma Clara Gonzales, do ECCHR. “A gravidade das acusações deve motivar a abertura de uma investigação pelas autoridades judiciais francesas. As empresas não são actores neutros em zonas de conflito: se facilitam ou alimentam crimes, podem ser cúmplices e devem prestar contas”.
Documentos internos da TotalEnergies, incluindo relatórios do seu contratante de segurança, descrevem atos de violência cometidos contra civis pelas forças armadas desde Maio de 2020. Estes documentos mostram que a empresa tinha conhecimento de graves violações cometidas perto das suas instalações antes do massacre dos contentores.
Os documentos foram obtidos através de pedidos de acesso à informação apresentados a financiadores públicos do projeto. Alguns já eram conhecidos, mas a queixa inclui novos documentos enviados pelo governo neerlandês, nos quais a TotalEnergies descreve o seu sistema de segurança e os riscos de direitos humanos associados à Joint Task Force.
Apesar deste conhecimento, a empresa continuou a fornecer alojamento, alimentação, equipamento e bónus salariais aos militares, estipulando apenas que os bónus seriam retirados em caso de violações de direitos humanos.
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Comprar um espaço para minha empresa.Investigação jornalística desencadeia inquéritos oficiais
A investigação do Politico levou as autoridades moçambicanas a abrir inquéritos, assim como dois financiadores públicos do projeto: a agência britânica UK Export Finance e o governo neerlandês, através da Atradius. Porém, nenhuma investigação judicial europeia foi até agora iniciada.
“A gravidade destas acusações deve ser uma linha vermelha para os financiadores do Mozambique LNG”, afirma Lorette Philippot, da Amis de la Terre França. Recorda que mais de 30 bancos públicos e privados financiaram o projeto em 2020, mas que “não assinaram cheques em branco”. Para Philippot, a decisão recente da TotalEnergies de levantar a força maior “prova que nada aprendeu com o passado” e que governos como os do Reino Unido e dos Países Baixos, bem como bancos franceses como Société Générale e Crédit Agricole, devem recusar prolongar o apoio financeiro.
Daniel Ribeiro, da Justiça Ambiental, reforça: “As comunidades locais sofreram violações repetidas dos seus direitos e continuam sem justiça. Este caso é um passo crucial para garantir que interesses empresariais não se sobreponham à vida das pessoas”.
Segunda queixa ligada ao projeto Mozambique LNG
Esta queixa segue outra, apresentada em 2023 por sobreviventes e familiares das vítimas dos ataques de Palma, acusando a TotalEnergies de não ter protegido os seus subcontratados, alguns deles mortos durante a ofensiva. Em Março de 2025, o Ministério Público de Nanterre abriu uma investigação preliminar por homicídio involuntário e omissão de auxílio.
Casos internacionais reforçam a possibilidade de responsabilização criminal de empresas: em França, a Lafarge foi indiciada por cumplicidade em crimes contra a humanidade na Síria; na Suécia, dois ex-executivos da petrolífera Lundin enfrentam julgamento por cumplicidade em crimes de guerra no Sudão.
Além das acusações de violações de direitos humanos, o projeto Mozambique LNG poderá emitir até 4,5 mil milhões de toneladas de CO₂ equivalente, tornando-se uma das chamadas “bombas de carbono” que ameaçam as metas do Acordo de Paris.





